História da Cannabis Medicinal: linha do tempo das descobertas

Published On: 31/08/20235.4 min read

Da antiga China à civilização egípcia, os humanos têm uma longa história de interações com a planta de cannabis, muitas vezes reverenciada por suas propriedades curativas. No entanto, foi somente nas últimas décadas que os véus que envolviam os segredos dos canabinoides começaram a ser desvendados. 

À medida que o século XXI se desdobrava, as descobertas catapultaram a cannabis de um símbolo contracultural para um campo legítimo de pesquisa científica e terapêutica.

Prepare-se para uma viagem através do tempo e das mentes revolucionárias responsáveis por dar luz na evolução da nossa compreensão sobre como a natureza e a biologia se entrelaçam quanto o assunto é o uso medicinal da cannabis.

Décadas de 1960-1970: descoberta dos canabinoides

Na década de 1960, a pesquisa sobre a cannabis medicinal começou a ganhar mais atenção. Foi nessa época que os cientistas identificaram o principal composto psicoativo da planta, o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC).

No centro dessa pesquisa estava o bioquímico israelense Raphael Mechoulam, conhecido como o “pai da pesquisa canabinoide”. Foi Mechoulam, juntamente com sua equipe, que isolou o THC pela primeira vez em 1964. 

Sua abordagem envolveu a obtenção de quantidades significativas de THC de fontes naturais, permitindo uma análise precisa de suas propriedades químicas e efeitos no organismo humano.

A partir de tal acontecimento, a descoberta do THC abriu caminho para estudos mais aprofundados sobre os efeitos terapêuticos e os possíveis riscos associados ao seu uso.

Década de 1980: isolamento do THC e CBD

Enquanto o mundo passava por mudanças sociais e avanços tecnológicos, na década de 1980, um capítulo fundamental na história da pesquisa sobre cannabis estava prestes a ser escrito: o isolamento do THC e do canabidiol (CBD). 

Esses dois canabinoides, embora compartilhando a mesma base química, demonstraram ter efeitos muito distintos. Enquanto o THC era associado aos efeitos psicoativos, o CBD mostrou propriedades não psicoativas e potencial terapêutico em várias condições médicas.

Nos laboratórios da Universidade Hebraica de Jerusalém, Mechoulam e sua equipe conseguiram isolar o THC em sua forma pura, permitindo que os cientistas estudassem suas propriedades químicas e efeitos no corpo humano com uma precisão sem precedentes.

Simultaneamente, Mechoulam e sua equipe também concentraram seus esforços no isolamento do CBD. Esse trabalho culminou na síntese do canabidiol puro em 1985, fornecendo as bases para investigações futuras sobre suas aplicações médicas.

1988: descoberta dos receptores CB1 e Sistema Endocanabinoide

O ano de 1988 marcou um marco crucial na pesquisa da cannabis medicinal com a descoberta de um novo sistema biológico, o Sistema Endocanabinoide (SEC), e do primeiro receptor canabinoide, o CB1. 

Os cientistas Allyn Howlett e William Devane identificaram os receptores CB1 no cérebro de ratos, o que levou à teoria de que deve haver compostos produzidos naturalmente pelo corpo que se ligam a esses receptores, revelando que o cérebro tinha uma afinidade natural por canabinoides endógenos.

1992: descoberta dos receptores CB2 e compostos endógenos

Em 1992, outro marco importante ocorreu com a descoberta do receptor canabinoide CB2. 

A liderança dos cientistas Lumír Hanuš e William Devane foi fundamental para essa revelação que expandiu a compreensão do papel regulador dos canabinoides no organismo.

Além disso, Hanuš e Devane desempenharam papéis cruciais na identificação dos compostos endógenos que se ligam a esses receptores, os endocanabinoides. Esses compostos produzidos naturalmente pelo corpo foram nomeados anandamida e 2-araquidonilglicerol (2-AG)

Tais descobertas não apenas confirmaram a existência de um sistema de regulação canabinoide no corpo humano, mas também abriram portas para uma nova era de pesquisa médica com foco em explorar o potencial terapêutico dos endocanabinoides e dos canabinoides exógenos.

Século XXI: avanços no entendimento e uso medicinal

Nos anos 2000 e além, a pesquisa sobre o Sistema Endocanabinoide e o potencial terapêutico dos canabinoides continuou a se expandir. 

Descobriu-se que o SEC desempenha um papel crucial na regulação de uma ampla gama de processos fisiológicos, incluindo dor, inflamação, apetite e humor. Isso abriu portas para a exploração de tratamentos baseados em canabinoides para condições como epilepsia refratária, esclerose múltipla, doença de Crohn e muito mais.

Além disso, a aprovação de medicamentos à base de CBD, como o Epidiolex, para tratamento de convulsões em certas condições, marcou um passo significativo no reconhecimento da eficácia dos canabinoides.

À medida que a legalização da cannabis medicinal ganhou impulso em várias partes do mundo, pesquisadores começaram a analisar seu potencial em uma ampla gama de condições médicas. A dor crônica, por exemplo, emergiu como um campo de estudo crucial. Estudos clínicos e observacionais exploraram o uso de produtos à base de cannabis para aliviar a dor em pacientes com câncer, fibromialgia e outras condições debilitantes.

A cannabis medicinal atualmente

Ao passo que século XXI avança, a ciência e a medicina continuam testemunhando uma mudança de paradigma no entendimento dos canabinoides. Com os avanços contínuos na pesquisa, a cannabis medicinal passou a ser considerada uma alternativa legítima em uma variedade de contextos clínicos.

No entanto, a evolução da pesquisa também destacou a importância do equilíbrio entre os benefícios e os riscos associados aos canabinoides. Preocupações em relação a efeitos colaterais e dependência levaram a uma busca por formulações específicas e dosagens precisas para maximizar os benefícios terapêuticos e minimizar os efeitos adversos.

Conforme mais países legalizam seu uso para fins medicinais, a pesquisa se intensifica, explorando novas aplicações em áreas que vão desde transtornos mentais até doenças neurodegenerativas.

Enquanto isso, os canabinoides e o Sistema Endocanabinoide permanecem um campo de estudo fascinante, prometendo inovações terapêuticas que podem melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Referências

Carlini, E. A. (2006). A história da maconha no Brasil. Jornal Brasileiro De Psiquiatria, 55(4), 314–317. https://doi.org/10.1590/S0047-20852006000400008 

Santos, Hiago Moleiro dos. A Cannabis e o Sistema Endocanabinoide. Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2022. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/238355

Zuardi AW. History of Cannabis as a medicine: a review. Rev Bras Psiquiatr. 2006; 28(2):153-7.